Campanha em defesa da liberdade de crença e
contra a intolerância religiosa:
Realização: CEERT – Centro de estudos das relações de trabalho e desigualdades e INTECAB – Instituto nacional da tradição e cultura afro brasileira e SESC/SP.
É com satisfação e orgulho que o CEERT – Centro de estudos das relações de trabalho e desigualdades, em parceria com o SESC/SP, INTECAB – Instituto nacional da tradição e cultura afro brasileira, lança a Campanha em Defesa da Liberdade de Crença e Contra a Intolerância Religiosa.
A liberdade de crença é um direito assegurado na Constituição Federal que necessita urgentemente de validade pratica, de modo que toda e qualquer crença ou religião possa ser exercida num contexto de respeito, paz e compreensão.
De outra parte, a intolerância e a discriminação que há séculos perseguem as religiões de matriz africana representam uma das faces mais perversas do racismo brasileiro.
As religiões indígenas, o judaísmo, o islamismo, o espiritismo, o budismo e outras religiões que no Brasil podem ser consideradas “minoritárias” também são vitimas de discriminação.
A negação dos feitos históricos, da herança civilizatória, dos heróis e heroínas, é uma pratica que inferioriza e desqualifica a riqueza cultural herdada dos africanos. A religiosidade , uma das mais belas expressões desta cultura, foi tratada, até pouco tempo, como assunto de polícia.
No passado, a própria lei discriminava e punia a religiosidade trazida pelos/as africanos/as escravizados/as. Em alguns casos, aplicava-se inclusive a pena de morte àqueles que professavam uma crença diferente daquela então considerada oficial.
No presente , a lei determina a igualdade de todas as religiões, mas, na pratica muitas são as violações de direitos.
Diariamente, diversos espaços, templos , e principalmente a TV, praticam a violência simbólica, por meio da intolerância religiosa, criminosa, grosseira, ofensiva, feita de uma única e repetitiva cena: a satanização e difamação da religiosidade afro-brasileira. Telespectadores são induzidos e incitados ao preconceito e discriminação religiosa. Discriminação religiosa é crime.
A lei vale para todas as religiões. Juntos, unidos, podemos fazer com que a lei tenha validade na prática.
Profº. Dr. Hédio Silva Jr. E Profª. Dra. Maria Aparecida Silva Bento
Coordenadores do CEERT
Uma história de resistência: leis do passado brasileiro que pregavam a intolerância religiosa:
No período colonial as leis puniam severamente as pessoas que discordassem da religião imposta pelos escravizadores (Constituição de 25 de março de 1824, art. 5º: “A Religião catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com o seu culto doméstico ou particular em casas para isso destinadas sem forma alguma exterior de Templo).
De acordo com as leis Filipinas,a heresia e a negação ou blasfêmia de Deus eram punidas com penas corporais.
O código criminal do império de1830 ,considerada crime :o culto de religião que não fosse a oficial ;a zombaria contra a religião oficial;a manifestação de qualquer idéia contrária á existência de Deus.
Decreto de 1832 obrigava os escravos a se converterem á religião oficial.
Um indivíduo acusado de feitiçaria era castigado com pena de morte.
Com a proclamação da república foi abolida a regra da religião oficial,mas a situação permaneceu praticamente a mesma:o primeiro código penal republicano tratava como crimes o espiritismo e o curandeirismo .
A lei penal vigente, aprovada em 1940, manteve os crimes de charlatanismo e curandeirismo.
Devemos lembrar ainda que até 1976 havia uma lei no estado da Bahia que obrigava os templos das religiões de matrizes africana a se cadastrarem na delegacia de polícia mais próxima. No estado da Paraíba, uma lei aprovada em 1966 obrigava sacerdotes e sacerdotisas daquelas religiões a se submeterem a exame de sanidade mental, por meio de laudo psiquiátrico.
No cotidiano, a perseguição policial, prisões arbitrárias e invasões de templos eram comuns – e acontecem ainda hoje, embora em menor número .
Não fosse a bravura, a garra e o heroísmo das sacerdotisas e sacerdotes, as religiões de matrizes africana já teriam sido sepultados pela intolerância e o racismo .
Hoje, esta situação esta mudando, mas ainda há muito o que fazer.
A saída é uma só: conscientização, conhecimento dos direitos, organização união.
A igualdade de todas as religiões perante a lei:
Atualmente não existe religião oficial no Brasil. Desde a primeira Constituição brasileira, de 1891, a idéia de religião oficial deixou de ter respaldo legal.
O Estado não apóia nem adota nenhuma religião. A lei o proíbe de eleger esta ou aquela religião como verdadeira, falsa, superior ou inferior; daí porque se diz que o Estado brasileiro é um Estado laico.
A constituição vigente, de 1988, não deixa dúvidas quanto a isso: todas as crenças e religiões são iguais perante a lei e todas devem ser tratadas com igual respeito e consideração.
A própria Constituição não permite nenhum tipo de aliança entre Estado e religião, e, ao mesmo tempo, proíbe a imposição de obstáculo a qualquer culto ou religião.
Além disso, a legislação garante ampla liberdade de crença e de culto, bem como proíbe discriminação baseada em credo religioso.
A associação religiosa, o culto, templo, os ministros religiosos e os fiéis são protegidos por uma série de leis.
Vejamos alguns dos direitos que a legislação assegura ás confissões religiosas, assinalada que ao final o leitor/a encontrará um anexo contendo indicações das leis mencionadas.
Discriminação religiosa é crime:
Ninguém pode ser discriminado em razão de credo religioso.
No acesso ao trabalho, à escola, a moradia, a órgãos públicos ou privados, não se admite tratamento diferente em função da crença ou religião.
O mesmo se aplica ao uso de transporte público, prédios residenciais ou comerciais, bancos, hospitais, presídios, comércio, restaurantes, etc.
A mais alta Corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal, já decidiu que a discriminação religiosa é uma espécie de prática de racismo.
Isto significa que o crime de discriminação religiosa é inafiançável (o acusado não pode pagar fiança para responder em liberdade) e imprescindível (o acusado pode ser punido a qualquer tempo).
A pena para o crime de discriminação religiosa pode chegar a 05 anos de reclusão.
No caso de discriminação religiosa, a vitima deve procurar uma Delegacia de Polícia e registrar a ocorrência. O Delegado de Polícia tem o dever de instaurar inquérito, colher provas e enviar o relatório para o Judiciário, a partir do que terá início o processo penal.
Liberdade de culto e dos locais de culto:
Liberdade de reunião, de culto e de liturgia são direitos previstos na Constituição Federal.
Respeitando-se a lei, todos podem reunir-se pacificamente para manifestar sua crença, sem qualquer tipo de obstáculo do Poder Público ou de particulares.
O culto pode ser realizado e locais fechados ou abertos, ruas, praças, parques, praias, bosques, florestas ou qualquer outro local de acesso publico.
Segundo a Constituição Federal existem apenas três casos em que o culto pode ser proibido: quando não tiver caráter pacifico; se houver uso de arma de fogo ou se estiver sendo praticado um ato criminoso. (Lei nº 1.207 de 25 de outubro de 1950). Fora disso, é permitido tudo aquilo que a lei não proíbe. Não podemos esquecer, no entanto, que as leis sobre vizinhança, direito ao silêncio, normas ambientais, etc... devem ser ser sempre respeitadas.
O Código Penal proíbe a perturbação de qualquer culto religioso e a Lei de Abuso de Autoridade pune o atentado ao livre exercício do culto. (pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, art. 18 / Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 12 / Declaração para Eliminação de todas as Formas de Intolerância e de Discriminação baseada em Religiões ou Crença, art. 6º / Código Penal, art. 208 e seguintes / Lei de Abuso de Autoridades, nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965)
A associação religiosa:
Para que uma comunidade religiosa tenha existência legal ela precisa estar organizada em uma associação, com atas e estatutos registrados em cartório. Esta associação é denominada associação religiosa.
Registrados os estatutos, a comunidade religiosa passa a ser reconhecida legalmente e pode exercer os direitos assegurados a todas as religiões. Vale lembrar que nenhuma lei, estatuto ou autoridade civil pode influenciar no funcionamento interno das confissões religiosas. Isto quer dizer que o estatuto deve ser adaptado aos rituais e preceitos de cada religião; e não o contrário.
Vejamos alguns dos direitos que as associações religiosas possuem:
* preparar, indicar e nomear seus sacerdotes de acordo com os padrões de cada religião ou crença;
* manter locais de destinados aos cultos e criar instituições humanitárias ou de caridade;
* criar e manter faculdades teológicas e escolas confessionais;
* ensinar uma religião ou crença em locais apropriados;
* solicitar e receber doações voluntárias;
* criar cemitérios religiosos, construir jazigos (criptas) no próprio templo religioso, para o sepultamento das autoridades religiosas (código penal, arts. 209, 210, 211 e 212 / Lei das Contravenções Penais, art. 67)
Os direitos do Ministro Religioso (Sacerdote e Sacerdotisa):
Cada religião tem o direito de preparar e nomear seus sacerdotes e sacerdotisas de acordo com os seus padrões e costumes. A lei não exige nem pode exigir que uma pessoa tenha cursado faculdade para torna-se um Ministro(a) Religioso(a).
Perante a lei, todos os sacerdotes e sacerdotisas são chamados de Ministro Religioso e todos gozam dos mesmos direitos. Para que uma pessoa se torne um Ministro Religioso ela precisa ser indicada por uma autoridade religiosa ou ser nomeada ou eleita por uma associação religiosa, legalmente constituída. A nomeação deve constar em ata e ser registrada em cartório.
Os Ministros(as) Religiosos(as) possuem vários direitos, entre eles:
* ser inscrito como Ministro Religioso na previdência social (para fins de aposentadoria, benefícios, etc...);
* celebrar casamento e emitir o certificado de realização de cerimônia;
* ter livre acesso a hospitais, presídios e quaisquer outros locais de internação coletiva, visando dar assistência religiosa;
* ser preso em cela especial até o julgamento final do processo;
* ser sepultado no próprio templo religioso;
* ao Ministro Religioso estrangeiro é assegurado o direito de visto temporário (Lei nº 9.982 de 14 de julho de 2000 / Código de Processo Penal, arts. 295 e 436 / Código de Processo Penal Militar, art. 242)
Para funcionar legalmente o templo religioso:
O templo religioso é o espaço físico, a edificação, a casa destinada ao culto religioso, na qual são realizadas as cerimônias, práticas, ritos e deveres religiosos (Constituição Federal, art. 150, inciso VI, alínea “b”).
Para funcionar legalmente o templo religioso necessita de ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO expedido pela Prefeitura do município onde esteja localizado (Lei nº. 3.193, de 04 de julho de 1957).
Apenas e tão somente a Prefeitura tem poderes para expedir o alvará de funcionamento e nenhum outro documento substitui o alvará. O imóvel pode ser próprio ou alugado. De acordo com a Constituição Federal, o templo religioso é isento do pagamento de qualquer imposto, a exemplo do IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano (Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de 1991, art.53).
No caso de SÃO PAULO, uma lei municipal isenta os templos do pagamento de taxas de conservação e de limpeza pública (Lei do Município de São Paulo, nº.11.335, de 30 de dezembro de 1992).
Casamento religioso e a escolha de nomes de filhos de acordo com a religião dos pais:
A Constituição Federal determina que o casamento religioso tenha validade civil. Isto é, obedecidas as regras da lei civil, um casamento celebrado por Ministro Religioso de qualquer religião ou crença deve ser reconhecido legalmente. (Constituição Federal, art. 226 p.2º).
Existem dois tipos de casamento religioso (Lei dos Registros Públicos, arts. 71 e 72):
* o casal registra em cartório toda a documentação necessária, e, posteriormente, celebra-se o casamento perante Ministro Religioso;
* o casamento é celebrado por um Ministro Religioso e, posteriormente o casal apresenta a documentação necessária ao cartório.
Uma vez que a documentação esteja regular, o casamento terá validade legal (Código Civil, arts. 1.515 e 1.516 / Lei nº 1.100 de 23 de maio de 1950). Em um caso defendido pelo CEERT, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu pela primeira vez a validade do casamento realizado na Religião Afro-brasileira.
Quanto aos nomes de filhos escolhidos de acordo coma religião dos pais, a lei garante aos pais o direito de escolher livremente a denominação dos filhos. O sobrenome deve ser o mesmo da família, mas o primeiro nome é de livre escolha. Havendo recusa arbitrária ou preconceituosa do oficial de registro, os pais têm o direito de pedir ao judiciário que mande fazer o registro.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já determinou que uma criança batizada no Candomblé, fosse registrada com o nome africano. Diante da recusa do oficial em registrar a criança o CEERT assumiu o caso, os pais foram ao Judiciário e saíram vitoriosos. (Tribunal de Justiça de São Paulo, processo CG 3,089/2000; relator Desembargador Luis de Macedo, julgado em 14 de dezembro de 2000).
Faculdades de teologia e escolas confessionais:
A lei garante a qualquer confissão religiosa o direito de criar e manter faculdades teológicas, institutos teológicos ou instituição equivalente com o objetivo de preparar seus ministros religiosos. (Constituição Federal, arts. 209, 212, p.2º e 213)
O curso deve ter duração mínima de dois anos e ser equivalente a qualquer curso de nível superior. (Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – LDB, arts. 19, 20 e 77).
Do mesmo modo, uma associação religiosa tem o direito de criar uma creche, escola de ensino fundamental, de ensino médio ou faculdade. São as chamadas escolas confessionais. (Decreto-Lei nº 1.051 de 21 de outubro de 1969).
Tais escolas podem inclusive contar com apoio de recursos públicos.
A questão do ensino religioso:
A respeito do ensino religioso nas escolas públicas, não podemos esquecer que de acordo com a Constituição Federal o estado brasileiro é laico, ou seja, não adota nem apóia nenhuma religião.
Além disso, segundo a Constituição Federal, o ensino não é uma disciplina básica para a formação do aluno. Por isso mesmo, a matrícula é facultativa, isto é, os pais ou o próprio aluno têm direito de escolher, de freqüentar ou não a aula de ensino religioso.
Nenhuma criança ou adolescente pode ser prejudicada por ter escolhido ou não a disciplina de ensino religioso. Ninguém pode ser submetido a constrangimento em razão do credo religioso. Do mesmo modo, ninguém pode ser obrigado a freqüentar ensino religioso.
Os pais, os movimentos sociais e a sociedade civil devem ficar atentos para não permitir que a disciplina do ensino religioso seja utilizada para satisfazer interesses menores de grupos religiosos ou políticos.
Os fiés de todas as religiões e também os ateus pagam os impostos que mantém o ensino público. Por essa razão, o governo não tem o direito de usar dinheiro público para favorecer uma religião e discriminar ou prejudicar outra. (Lei 9.475 de 22 de julho de 1997).
Diga não a intolerância religiosa:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que a intolerância religiosa ofende a dignidade da pessoa humana e é uma grave violação dos direitos humanos. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 18).
Este é um assunto que diz respeito às religiões, mas também diz respeito a todos os defensores da cidadania e dos direitos fundamentais da pessoa humana. O primeiro passo nessa luta deve ser conhecer os direitos, divulgá-los, conscientizar as pessoas e a sociedade.
Segundo o IGBE, o povo brasileiro professa várias religiões. Há também os ateus, que pagam impostos como os fiéis e merecem toda a consideração e respeito. Todos devem ter o direito de praticar sua crença de acordo com os seus costumes, tradições e valores.
O Estado tem a obrigação de manter a paz social, a compreensão e respeito mútuo entre as várias denominações religiosas. Não haverá democracia plena no Brasil enquanto houver ofensas e discriminação de ordem social e cultural, baseada em religião ou crença. Diga não a intolerância e a discriminação religiosa.
Fonte de pesquisa:
Campanha em defesa da liberdade de crença e contra a intolerância religiosa.
Realização: CEERT / INTECAB e SESC/SP e APOIOS.
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