(texto extraído de: http://oganvinicius.blogspot.com/) - vale a pena passar lá e dá uma conferida no blog.
A História dos Grandos Mestres (Vadinho)
Não poderia iniciar essa série de postagens sobre a história dos Grandes Ogans, se não fosse para discorrer sobre Vadinho.
Vadinho nasceu Euvaldo Freitas dos Santos, em Salvador. Há duas versões distintas sobre a origem da alcunha “Boca de Ferramenta”. Alguns afirmam que Vadinho recebeu esse apelido em função da sua profissão (Ferreiro - também foi Estivador). Outros, por outro lado, dizem que o apelido surgiu em função da formação da sua arcada dentária. Vadinho, era filho de Obaluwaiye, iniciado na religião dos Deuses Africanos, pela aclamada Ìyálòrìsà, Mãe Menininha do Gantois. Na casa de Candomblé do Alto da Federação, Vadinho era o Grande Maestro dos Òrìsàs!
De uma tradicional linhagem de músicos das sociedades de origem africana, Vadinho aprendeu e herdou a arte do Atabaque com seu pai Eduardo, também do Gantois. Desde Menino, foi integrante da chamada “Turma da Música”. Nesse aspecto, no livro sobre a bibliografia de Mãe Menininha, há uma foto antológica, na qual Vadinho, ainda criança está em pé (de calças curtas) ao lado do terno de Atabaques. Na foto, seu pai Eduardo (no livro consta com Edmar), está ao Hun.
Com sua arte incontestável, Vadinho fez história! Era dileto de Mãe Menininha, aliás, relatos da época deixam claro que a Ìyálòrìsà fazia questão que seu Candomblé fosse tocado com esmero. Talvez, seja essa a razão por ter sido na sua gestão, que despontou o maior número de virtuosos Ogans no Alto do Gantois.
Meu Tio Erenilton Bispo dos Santos, venerado Ogan de Salvador, Elemoso da Casa de Òsùmàrè e Amigo de Vadinho, comenta que: “Vadinho era um Ogan muito brincalhão, todos gostavam dele, adorava jogar dominó. Com o atabaque ele brincava! tocava como ninguém! Ele era a vedete do Gantois”. Diz, ainda que, por vezes, presenciou Vadinho chegar no término de alguma festa e, mesmo assim, os santos voltarem para receber o seu Hun (em muitas casas antigas, os Omo Òrìsà, não são acordados imediatamente após o seu Hun, as vezes ficam manifestados nas dependências internas das casas de Asè, por isso eles voltavam ao barracão).
A fama de Vadinho como virtuoso músico do Candomblé era tão grande, que extrapolou os limites dos Terreiros. Uma história narra que um grande percussionista de Salvador, diante dos comentários acerca de Vadinho, resolveu atestar, se de fato, ele era magnífico como discorriam. O percussionista em questão, pediu à Vadinho que tocasse, pois ele iria escrever tudo e depois, iria repetir, mostrando que não era tão impossível tocar como ele. Vadinho, prontamente atendeu ao pedido, tocando alguns ritmos dos Òrìsàs. Ao término, o famoso percussionista rendeu-se a Vadinho, pedindo-lhe que fosse também seu mestre, pois jamais havia escutado algo tão perfeito...
Vadinho deixou três grandes discípulos de sua arte musical, os três iniciados no Candomblé do Gantois. A saber: Gamo da Paz, Robson Costa Pinto e Gabi Guedes. Sobre o Grande Mestre, em conversas informais seus alunos me disseram:
Gamo da Paz, aclamado músico, fala que antes de começar o Candomblé, Mãe Menininha chamava Vadinho no quarto dela e dizia: “Vá começar o Candomblé”! Ele, então, entrava sozinho no barracão, e fazia no Hun um toque específico. Esse toque, era uma espécie de código, na verdade um comunicado aos demais Ogans da Música, que a festa iria começar, portanto, eles deveriam entrar no barracão. Gamo, diz também, que Vadinho tinha um jeito muito peculiar de afinar o Hun, ele batia com as próprias mãos nos birros do atabaque, numa seqüência única e, feito isso, os atabaques estavam afinados ao seu gosto.
Gabi Guedes, chamado de Agidavi de Ouro da Bahia, nos falou que Vadinho subia ao Hun no Sire, no início da festa e, saía quando os Òrìsàs entravam para serem vestidos. Nesse momento, no qual os santos que não iam vestir tomariam Hun, Vadinho deixava o salão, subindo desta feita ao atabaque, um de seus irmãos (Hélio ou Dudú, ambos virtuosos como ele). Vadinho voltava na saída dos Òrìsàs. Gabi, comenta ainda que, esse momento era mágico, pois Vadinho realmente tocava com amor para os Òrìsàs.
Robson, considerado o maior tocador de Hun de São Paulo, narra que a coisa mais difícil que existia era tocar Hunpi ou Lé, quando Vadinho estava ao Hun. Diz que nenhum Ogan conseguia tirar os olhos das mãos do Grande Maestro, fazendo com que, por vezes, o Hunpi e Lé, perdessem o tempo da “pancada”. Para Robson, Vadinho foi simplesmente o Gênio do Atabaque.
O Grande Vadinho perpetuou um pouco da sua arte em alguns discos e filme. O primeiro registro, data de 1962, no premiado filme Barra-Vento de Glauber Rocha, que além de Vadinho, conta com a participação de Mãe Hilda da França, então Ìyákekère do Gantois. Posteriormente, consta uma gravação primorosa, realizada no Ilé Omi Ase Iyamase. O Disco, chama-se “Documentos Sonoros Brasileiros – Candomblé”, nele, Vadinho novamente com Mãe Hilda da França, realizam uma gravação emocionante, que remete-nos aos Candomblés de outrora. Em 21 de Outubro de 1977, no Jardim do ICBA, foi lançado o mais conhecido disco de Vadinho (Candomblé, produzido por Djalma Correa). Esse disco, foi muito comentado à época. Por meio dele, muitos Ogans (inclusive eu), despertaram seu interesse pelo atabaque. No disco Baiafro de Djalma Correa (premiado com o troféu Villa-Lobos), há 4 faixas (os quatro elementos), que Vadinho e seu irmão Dudú, presenteia-nos com uma gravação perfeita dos toques “Agere”, “Alujá”, “Daró” e “Ijesa”. Outro disco que Vadinho mostra à que veio, refere-se ao Cinqüentenário de Mãe Menininha. Nessa gravação, eu diria que Vadinho chega a ser soberbo ao executar toques como Hamunya e Ageré. Outra importante gravação de Vadinho (somente voz, pois quem está ao Hun é seu irmão Dudú) é o disco Shiré Orishás Ede Yoruba.
Vadinho, participou como músico do “Viva Bahia”, “Baiafro” (Grupo de Djalma Correa) e do “Korin Nago”. Com esses grupos, viajou o mundo divulgando sua arte. Em uma dessas viagens deixou um atabaque com Tia Cabocla, mãe carnal de Mãe Luizinha de Nana, Ìyálasè do Ilé Alákétu Ase Airá. Esse atabaque, ficou por mais de 20 anos, aos cuidados de Mãe Luzinha, até que um dia, diante da minha admiração inconteste por esse Alagbe, ela me presenteou com esse instrumento único, o qual encontra-se hoje, em exposição no Ilé Alákétu Asè Ibùalámo (foto acima).
Foi também em uma dessas viagens, desta feita à Alemanha, em junho de 1979, que Vadinho partiu para o Orun. Meu tio Erenilton conta que ele, com o corpo muito quente em função da apresentação que fazia, saiu à rua, mas estava geando, ocasionando Choque Térmico. Assim, Vadinho deixou-nos, precocemente, de forma pueril. Conforme publicação do Jornal A Tarde, de 15/06/1979, em função da morte de Vadinho, o Gantois deixou de tocar a tradicional festa de Òsóòsì. Em Jun/79, o chamado “Busca Longe” (nome dado ao Hun do Gantois), silenciou ante a perda daquele que, mais que ninguém, soube por meio dele, evocar os Deuses Africanos à Terra.
Euvaldo Freitas Santos, o festejado Vadinho Boca de Ferramenta, foi único, foi virtuoso, foi e, ainda é, o maior maestro da música sacra do Candomblé. Muito provavelmente, ninguém jamais se igualará a ele, ninguém será tão próximo do atabaque como ele. Nesse aspecto, certa ocasião, seu aluno Gamo da Paz, me disse: “Vinicius, Vadinho e o atabaque eram um só, não havia diferença". Vadinho partiu, mas sua arte permanece viva, quer seja nas mãos daqueles que são seus seguidores, seja pelos primorosos registros que ele nos deixou e que comento abaixo.
Carlos Vinicius M. Santana 10/03/2010
Disco Candomblé:
A obra mais conhecida de Vadinho, produzido e idealizado por Djalma Correa. Nele, além de tocar o Hun, ele está fazendo a Voz (solo). Particularmente, recomendo a faixa Ogun, na qual Vadinho, dá uma aula de "slap" de Agidavi na madeira.
Shiré OrishásEde Yoruba:
Nesse disco, Vadinho somente canta. Quem está ao Hun, é seu irmão Dudú (que era canhoto). Embora fosse iniciado em uma casa de Angola, Dudú tocando Ketu, tinha o mesmo virtuosismo do irmão. Recomendo a faixa da cantiga "Arawara Tafa Rode", simplesmente Show.
Cinqüentenário de Mãe Menininha:
Nesse disco, Vadinho é soberbo ao executar os toques: Alujá, Ijesa, Agere, Hamunya e Igbin. Todas as faixas, sem exceção, são perfeitas. Àqueles que gostam de estudar, recomendo que prestem atenção ao Hunpi e Lé do toque Ijesa.
Candomblé: Documentos Sonoros Brasileiros:
Na minha opinião, o melhor disco de candomblé já gravado. Quem está cantando, é Mãe Hilda, então Ìyákekère do Gantois. Vadinho nesse registro, mostra a cadência pura do antigo Candomblé.
Baiafro: Nesse disco, há quatro faixas, chamadas "os quatro elementos", que o Grande Vadinho e seu irmão Dudú, mostram sua arte nos toques: Agere, Ijesa, Alujá e Daró. Novamente para quem gosta de estudar, vale a pena ouvir com atenção as variações do Agere e do Alujá, algumas bem distin tas dos demais discos de Vadinho.
Barra-Vento:
No filme de Glauber Rocha, que conta com a participação de atores como Antônio Pitanga, Vadinho é, novamente perfeito em sua apresentação (para os fanáticos, uma ótima notícia, esse filme foi reeditado, agora em DVD, compre o original, pois vale a pena). Nessa filmagem, que também conta com a participação de Mãe Hilda.
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