Blog do Oríosè: março 2013

A Cidade das Mulheres

Pequena e singela homenagem do blog a todas as Mulheres e Iyas ! 


A CIDADE DAS MULHERES

O filme Cidade das Mulheres é uma resposta à Ruth Landes, antropóloga norte-americana que, no ano de 1939, esteve na Bahia pesquisando a raça negra e se surpreendeu com a força e a soberania que as mulheres do candomblé exerciam numa organização matriarcal. Seu pensamento será um dos fios condutores deste documentário, ilustrado por imagens das festas populares e dos cultos africanos, das famosas mães de santo e da beleza exuberante da cidade de Salvador.
Cidade das Mulheres apresenta Mãe Estela, Yalorixá do terreiro Axé Opó Afonjá -- um dos mais antigos e conceituados da Bahia, que vai contar a história do candomblé e a história da sua própria vida. Num belíssimo depoimento, mostrando o quanto está à frente do seu tempo, Mãe Estela discute o matriarcado, a força das mulheres e o sincretismo no Brasil. Por fim, ela fala do futuro e da esperança que tem na continuidade e na força do candomblé.
Permeando o pensamento de Mãe Estela estarão antropólogas, sociólogas, teólogas, mães de santo, comerciantes, enfim, as baianas, que irão enriquecer e fundamentar o seu discurso. O documentário vai mostrar a mulher do povo, a baiana do acarajé, a baiana comerciante da feira, a baiana empresária, como é sua vida e o que é ser baiana nos dias de hoje.
O documentário Cidade das Mulheres faz um panorama da identidade visual e cultural dessas baianas que, através das gerações, criaram um mito, deusas que atuam e interferem no quotidiano da cidade. Um símbolo de resistência, dignidade e, sobretudo, beleza.
JUSTIFICATIVA
No final dos anos trinta, a antropóloga Ruth Landes chegou ao Brasil, com a intenção de estudar as relações raciais no Brasil. Ao tentar comparar o racismo no Brasil e nos Estados Unidos ela se deparou com duas realidades diferentes, porém não menos exclusivistas. Os negros no Brasil não eram discriminados somente pela cor da pele, eles eram mantidos na ignorância e na miséria. Aos pobres restava a religião, o candomblé, que naquela época era proibido e perseguido.
Ao voltar para os Estados Unidos, discretamente expulsa do país por seus estudos sobre o candomblé, Ruth Landes lança o livro "Cidade das Mulheres". Ela relata com clareza e com certo espanto, a força da baiana, essa mulher que inventou no Brasil um sistema matriarcal inédito, desenvolvido em torno do culto aos orixás, onde o poder é da mãe. Através das obrigações com os santos as mulheres foram para os mercados, tomaram as ruas com suas comidas e seus trajes exóticos, o que possibilitou sua liberdade econômica.
Cidade das Mulheres vem homenagear a força dessa mulher através de Mãe Estela, Yalorixá do terreiro Axé Opó Afonjá, símbolo maior de dignidade e doação, uma vida dedicada ao seu povo. Sua história, sua filosofia e seu legado estarão preservados através dos seus depoimentos. O principal objetivo deste documentário é mostrar o poder dessas mulheres, confirmar o matriarcado baiano com a afirmação de que a Bahia é a Cidade das Mulheres.
Site do diretor: http://news.lazarofaria.com.br/?p=71



Color - 72 min. - Documentary

DIRECTOR: Lázaro Faria
CAST: Mãe Stella de Oxossi - Mãe Altamira Cecília - Mãe Carmem - Mãe Nitinha de Oxum - Mãe Gisele Cossard - Mãe Bida


SINOPSE:

Em 1939, a antropóloga norte-americana Ruth Landes esteve na Bahia pesquisando a raça negra e se surpreendeu com a força e a soberania que as mulheres do candomblé exerciam, formando uma organização matriarcal. Seu pensamento é um dos fios condutores deste documentário, ilustrado por imagens das festas populares e dos cultos africanos, das famosas mães de santo e da beleza exuberante da cidade de Salvador. A produção apresenta Mãe Estela, Yalorixá do terreiro Axé Opó Afonjá - um dos mais antigos e conceituados da Bahia -, que conta a história do candomblé e de sua própria vida. Ela discute o matriarcado, a energia das mulheres e o sincretismo no Brasil. Por fim, fala do futuro e da esperança que tem na continuidade e na força do candomblé.



Parte 1



Parte 2



Parte 3



Parte Final

O incrível caso do Exu 7 da Lira

O incrível caso do Exu 7 da Lira

A Mãe de Santo Cacilda de Assis foi um dos médiuns mais polêmicos da história da religião brasileira, graças ao Exu que lhe assistia. Aos 13 anos de idade recebeu pela primeira vez o "Seu" Sete Rei da Lira, o qual foi assentado em 13 de junho de 1938, aos 15 anos, quando Cacilda recebeu sua iniciação de seu Pai, Benedito Galdino do Congo, em Coroa Grande, próximo da conhecidíssima Itacuruçá, no Rio de Janeiro (local onde funcionou um outro importantíssimo terreiro da história das religiões brasileiras). Ela também trabalhava com a Pomba Gira Audara Maria.
Mãe Cacilda de Assis em seu programa de rádio

O Rei da Lira se apresenta como Exu, muito embora suas características originais o liguem mais ao mundo da encantaria, onde é conhecido como Sete Rei da Lira, José das Sete Liras ou o Rei das Sete Liras. Poucos conhecem a sua história como encantado, que começa na Idade Média e vai até a sua reencarnação no século dezenove. Na Espanha Medieval, havia um casal: Caio e Zelinda. Caio era um descendente de gregos, que tocava e fabricava instrumentos musicais, especialmente liras. Zelinda era uma bela negra africana, que escondida dos poderosos da época, fazia rituais mágicos.


Tiveram um filho chamado José, que era muito inteligente e tocava instrumentos como ninguém. O garoto herdou do pai o gosto para tocar e fabricar liras, das quais construía 7 diferentes modelos. Da mãe herdou os poderes paranormais: curava pessoas doentes, movia objetos com o olhar, tinha sonhos premonitórios, via a aura das pessoas etc. Na adolescência, conta a lenda que o garoto passou a incorporar espíritos enquanto tocava e uma destas almas seria a do bíblico Rei Davi. Por fazer muito sucesso com as mulheres, um marido ciumento entregou-o para os representantes da igreja, acusando José das Sete Liras de bruxaria. Foi queimado na fogueira pela Inquisição.
Seu Sete da lira trabalhando

A fama do Exu Sete Rei da Lira que baixava em Mãe Cacilda começou a crescer rapidamente devido à característica inusitada de suas giras - onde todo tipo de música poderia ser cantada e tocada - e no uso impressionante da ingestão de vários litros e litros de "marafo", além da roupa ritualística bordada em veludo preto, botas, capas e cartola. Quem presenciou a manifestação deste espírito se impressionou com o magnetismo e com a capacidade de movimentação das pessoas que acorriam ao seu templo, em Santíssimo, um bairro do Rio de Janeiro. Corriam as notícias de boca a boca, dos casos de cura de doenças gravíssimas etc e rapidamente a gira de seu Sete chegou à marca impressionante de mais de cinco mil pessoas por rito.
Compositora e escritora, Mãe Cacilda tinha um programa na Rádio Metropolitana de Inhaúma e o caso é que a fama de seu 7 se espalhou tanto que artistas como Tim Maia, Freddie Mercury e o grupo Kiss estiveram por lá sabe-se lá por qual razão, até que um dia alguém foi até o terreiro e desafiou o Exu a baixar em rede nacional. Ao contrário do que se esperava, o seu Sete concordou e foi aí que o "dendê ferveu"!
Fotos das milhares de pessoas que acorriam ao templo de seu Sete da Lira. Olhe bem e descubra onde está o Exu!

Eu me lembro bem do fato, pois todo mundo comentou: foi em 1971, eu tinha 5 anos e me é inesquecível o sotaque de uma portuguesa da vila em que eu morava no bairro do bexiga em sampa, agressiva e transtornada, ao comentar: "Um ab'surdo, c'mo deixaram um d'mônio daq'les b'xar no p'grama do Ch'crinha?? Viram o que el' fêx?? A revolta da mulher, católica radical (ainda não existiam os neopentecostais que mais tarde se aproveitariam do mesmo tipo de discurso), era acompanhada de uma credulidade não assumida: "T'do bem, o santo baixou em todo mundo, isso realmente é difícil de explicar, mashhhh..."

Seu Sete da Lira no programa "Flávio Cavalcanti"

Incorporada pelo Exu "Seu" 7 Rei da Lira Cacilda havia transformado os programas de Chacrinha e Flávio Cavalcanti num verdadeiro ritual de Kimbanda, daqueles mais bravos. Não se questiona aqui a veracidade da presença do Exu naqueles momentos, ou se é válido esse tipo de exposição ou de manifestação em público, mas há a verdade inquestionável de que algum poder realmente tomou conta das pessoas naqueles programas, pois platéia, cantores, assistentes de câmera, seguranças, contrarregras e outros entraram em transe, desmaiaram ou foram "mediunizados" por exus e outras entidades.
Inabalável, seu Sete da Lira após "tocar a macumba" no programa de Flávio Cavalcanti, sem desincorporar saiu de carro dos estúdios da TV Tupi acompanhado por seus cambonos e foi até os estúdios da Rede Globo no programa do Chacrinha e nem bem entrou no palco, o mesmo fenômeno aconteceu: Chacretes, músicos, diretores e outros entraram em transe.
O próprio Chacrinha, o rei da caricatura e da esbórnia ficou sem ação, conforme o relato do professor universitário Paulo Duarte: "(...) me causou espanto, assistir, há dias àquele espetáculo de 'Seu Sete', apresentado como se fosse um retrato do Brasil: uma 'mandingueira' de cartola e charuto, espargindo cachaça pela multidão em transe, como um sacerdote o faz com água benta. Um adolescente entrou para colaborar, quando foi 'tomado' diante da Mãe de Santo. Esta, que já bebera em público largos goles de pinga, esborrifou-lhe o rosto com um pouco da bebida, aos efeitos mágicos da qual o moleque voltou à razão em meio ao alvoroço da multidão, sob o patrocínio de um Chacrinha mais inconsciente que legítimo".

Reportagem na revista "Amiga" de 1970, sobre seu 7 da lira (Cortesia do irmão Maleronka!)

Na Censura Federal centenas de telefonemas de protestos e de narrativas de pessoas que haviam entrado em transe em suas casas entupiram as centrais telefônicas, a Igreja Católica constrangida reuniu sua cúria para debater o problema e a concessão das duas emissoras de TV quase foram suspensas pelo governo, alegando a defesa da "moralidade" e dos "bons costumes".
Na verdade, o que podemos concluir é que a Umbanda e as religiões afrobrasileiras fazem parte de uma parcela do imaginário brasileiro - principalmente a Kimbanda - que se for colocada à mostra em sua totalidade, pode gerar efeitos inesperados no senso comum e padrão das classes sociais e religiosas acomodadas, pois raramente se viu na história da cultura brasileira a religiosidade das classes subalternas manifestar-se de modo tão expontâneo e incontrolável e ainda, em escala nacional, como foi feito pelo Sr. Exu da Lira e só por ele, sozinho!
Uma das últimas fotos de Cacilda de Assis mediunizada... paradeiro????

Pela primeira vez na história do país, cujo Estado e cujas classes dirigentes desfiam ao longo dos tempos uma compreensão e narrativa eurocêntrica sobre si mesmos, a sociedade brasileira se viu obrigada e se olhar no espelho tão profundamente que não aguentou se ver tão frágil e desnuda frente aos efeitos do trabalho de um Exu Guardião. E as reações subsequentes revelaram ainda posicionamentos elitistas arraigados nas velhas estruturas de dominação e da luta de classes no plano das representações simbólicas. Entre o próprio povo do santo a coisa se dividiu: em conversa com nosso querido amigo, o pai Pedro Miranda, esse nos relatou que certas "cúpulas" umbandistas da época recusaram-se a tentar entender o fenômeno "da Lira" e também tentaram abafar o caso...
Mas o evento mais grave e interessante aconteceria longe, no centro do poder: estavam assistindo aos programas o então presidente Médici e sua esposa D. Cyla. Indignado, o general iria tomar algumas "providências" contra Mãe Cacilda, quando, subitamente, ao seu lado, D. Cyla, incorporada, dá uma sonora gargalhada, pede uma rosa, uma champanhe e diz pro presidente não mexer com quem não podia...
Bastidores do Brasil... bastidores da Kimbanda...

Ao sr. Sete Rei da Lira: Mojubá Exu!!