O incrível caso do Exu 7 da Lira
A Mãe de Santo Cacilda de Assis foi um
dos médiuns mais polêmicos da história da religião brasileira, graças
ao Exu que lhe assistia. Aos 13 anos de idade recebeu pela primeira vez o
"Seu" Sete Rei da Lira, o qual foi assentado em 13 de junho de 1938,
aos 15 anos, quando Cacilda recebeu sua iniciação de seu Pai, Benedito
Galdino do Congo, em Coroa Grande, próximo da conhecidíssima Itacuruçá,
no Rio de Janeiro (local onde funcionou um outro importantíssimo
terreiro da história das religiões brasileiras). Ela também trabalhava
com a Pomba Gira Audara Maria.
Mãe Cacilda de Assis em seu programa de rádio
O
Rei da Lira se apresenta como Exu, muito embora suas características
originais o liguem mais ao mundo da encantaria, onde é conhecido como
Sete Rei da Lira, José das Sete Liras ou o Rei das Sete Liras. Poucos
conhecem a sua história como encantado, que começa na Idade Média e vai
até a sua reencarnação no século dezenove. Na Espanha Medieval, havia um
casal: Caio e Zelinda. Caio era um descendente de gregos, que tocava e
fabricava instrumentos musicais, especialmente liras. Zelinda era uma
bela negra africana, que escondida dos poderosos da época, fazia rituais
mágicos.
Tiveram um filho chamado José, que era muito inteligente e tocava instrumentos como ninguém. O garoto herdou do pai o gosto para tocar e fabricar liras, das quais construía 7 diferentes modelos. Da mãe herdou os poderes paranormais: curava pessoas doentes, movia objetos com o olhar, tinha sonhos premonitórios, via a aura das pessoas etc. Na adolescência, conta a lenda que o garoto passou a incorporar espíritos enquanto tocava e uma destas almas seria a do bíblico Rei Davi. Por fazer muito sucesso com as mulheres, um marido ciumento entregou-o para os representantes da igreja, acusando José das Sete Liras de bruxaria. Foi queimado na fogueira pela Inquisição.
Seu Sete da lira trabalhando
A
fama do Exu Sete Rei da Lira que baixava em Mãe Cacilda começou a
crescer rapidamente devido à característica inusitada de suas giras -
onde todo tipo de música poderia ser cantada e tocada - e no uso
impressionante da ingestão de vários litros e litros de "marafo", além
da roupa ritualística bordada em veludo preto, botas, capas e cartola.
Quem presenciou a manifestação deste espírito se impressionou com o
magnetismo e com a capacidade de movimentação das pessoas que acorriam
ao seu templo, em Santíssimo, um bairro do Rio de Janeiro. Corriam as
notícias de boca a boca, dos casos de cura de doenças gravíssimas etc e
rapidamente a gira de seu Sete chegou à marca impressionante de mais de
cinco mil pessoas por rito.
Compositora
e escritora, Mãe Cacilda tinha um programa na Rádio Metropolitana de
Inhaúma e o caso é que a fama de seu 7 se espalhou tanto que artistas
como Tim Maia, Freddie Mercury e o grupo Kiss estiveram por lá sabe-se
lá por qual razão, até que um dia alguém foi até o terreiro e desafiou o
Exu a baixar em rede nacional. Ao contrário do que se esperava, o seu
Sete concordou e foi aí que o "dendê ferveu"!
Fotos das milhares de pessoas que acorriam ao templo de seu Sete da Lira. Olhe bem e descubra onde está o Exu!
Eu
me lembro bem do fato, pois todo mundo comentou: foi em 1971, eu tinha 5
anos e me é inesquecível o sotaque de uma portuguesa da vila em que eu
morava no bairro do bexiga em sampa, agressiva e transtornada, ao
comentar: "Um ab'surdo, c'mo deixaram um d'mônio daq'les b'xar no
p'grama do Ch'crinha?? Viram o que el' fêx?? A revolta da mulher,
católica radical (ainda não existiam os neopentecostais que mais tarde
se aproveitariam do mesmo tipo de discurso), era acompanhada de uma
credulidade não assumida: "T'do bem, o santo baixou em todo mundo, isso
realmente é difícil de explicar, mashhhh..."
Seu Sete da Lira no programa "Flávio Cavalcanti"
Incorporada
pelo Exu "Seu" 7 Rei da Lira Cacilda havia transformado os programas de
Chacrinha e Flávio Cavalcanti num verdadeiro ritual de Kimbanda,
daqueles mais bravos. Não se questiona aqui a veracidade da presença do
Exu naqueles momentos, ou se é válido esse tipo de exposição ou de
manifestação em público, mas há a verdade inquestionável de que algum
poder realmente tomou conta das pessoas naqueles programas, pois
platéia, cantores, assistentes de câmera, seguranças, contrarregras e
outros entraram em transe, desmaiaram ou foram "mediunizados" por exus e
outras entidades.
Inabalável,
seu Sete da Lira após "tocar a macumba" no programa de Flávio
Cavalcanti, sem desincorporar saiu de carro dos estúdios da TV Tupi
acompanhado por seus cambonos e foi até os estúdios da Rede Globo no
programa do Chacrinha e nem bem entrou no palco, o mesmo fenômeno
aconteceu: Chacretes, músicos, diretores e outros entraram em transe.
O
próprio Chacrinha, o rei da caricatura e da esbórnia ficou sem ação,
conforme o relato do professor universitário Paulo Duarte: "(...) me
causou espanto, assistir, há dias àquele espetáculo de 'Seu Sete',
apresentado como se fosse um retrato do Brasil: uma 'mandingueira' de
cartola e charuto, espargindo cachaça pela multidão em transe, como um
sacerdote o faz com água benta. Um adolescente entrou para colaborar,
quando foi 'tomado' diante da Mãe de Santo. Esta, que já bebera em
público largos goles de pinga, esborrifou-lhe o rosto com um pouco da
bebida, aos efeitos mágicos da qual o moleque voltou à razão em meio ao
alvoroço da multidão, sob o patrocínio de um Chacrinha mais inconsciente
que legítimo".
Na
Censura Federal centenas de telefonemas de protestos e de narrativas de
pessoas que haviam entrado em transe em suas casas entupiram as
centrais telefônicas, a Igreja Católica constrangida reuniu sua cúria
para debater o problema e a concessão das duas emissoras de TV quase
foram suspensas pelo governo, alegando a defesa da "moralidade" e dos
"bons costumes".
Na verdade, o
que podemos concluir é que a Umbanda e as religiões afrobrasileiras
fazem parte de uma parcela do imaginário brasileiro - principalmente a
Kimbanda - que se for colocada à mostra em sua totalidade, pode gerar
efeitos inesperados no senso comum e padrão das classes sociais e
religiosas acomodadas, pois raramente se viu na história da cultura
brasileira a religiosidade das classes subalternas manifestar-se de modo
tão expontâneo e incontrolável e ainda, em escala nacional, como foi
feito pelo Sr. Exu da Lira e só por ele, sozinho!
Uma das últimas fotos de Cacilda de Assis mediunizada... paradeiro????
Pela primeira vez na história do país, cujo Estado e cujas classes dirigentes desfiam ao longo dos tempos uma compreensão e narrativa eurocêntrica sobre si mesmos, a sociedade brasileira se viu obrigada e se olhar no espelho tão profundamente que não aguentou se ver tão frágil e desnuda frente aos efeitos do trabalho de um Exu Guardião. E as reações subsequentes revelaram ainda posicionamentos elitistas arraigados nas velhas estruturas de dominação e da luta de classes no plano das representações simbólicas. Entre o próprio povo do santo a coisa se dividiu: em conversa com nosso querido amigo, o pai Pedro Miranda, esse nos relatou que certas "cúpulas" umbandistas da época recusaram-se a tentar entender o fenômeno "da Lira" e também tentaram abafar o caso...
Mas o evento
mais grave e interessante aconteceria longe, no centro do poder: estavam
assistindo aos programas o então presidente Médici e sua esposa D.
Cyla. Indignado, o general iria tomar algumas "providências" contra Mãe
Cacilda, quando, subitamente, ao seu lado, D. Cyla, incorporada, dá uma
sonora gargalhada, pede uma rosa, uma champanhe e diz pro presidente não
mexer com quem não podia...
Bastidores do Brasil... bastidores da Kimbanda...Ao sr. Sete Rei da Lira: Mojubá Exu!!
nossa muito interessante...meu respeito ao sr.sete rei da lira...laroye esu,mojubá!!!
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